No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio da quarta temporada, Sara conversa com o arquiteto Diogo Brito do escritório OODA sobre o projeto de reconversão do antigo Matadouro Industrial de Campanhã, no Porto, desenvolvido em co-autoria com Kengo Kuma.
Sara Nunes - Estou muito entusiasmada com esta conversa até porque hoje vamos falar de um projecto sobre o qual eu tenho muita curiosidade e imagino que muitos dos ouvintes tenham curiosidade também porque é um projecto que tem sido muito falado. Acredito que muita gente esteja do outro lado a ouvir-nos com muita curiosidade, mas antes de falarmos do Matadouro... acho que hoje é uma excelente oportunidade para falarmos de colaboração, uma vez que os OODA não só foram criados por cinco sócios, como vocês já são (corrige-me se estiver enganada) mais de 50 colaboradores... E não só têm esta colaboração, e ideia de colaboração, no próprio escritório como colaboram com muitos ateliers internacionais. Portanto a minha pergunta seria: quais têm sido as mais-valias desta colaboração interna, por um lado, dentro do atelier, e desta colaboração externa com outros ateliers?
Diogo Brito - Bom, antes de mais, muito obrigado. É um prazer aqui poder fazer parte desta colectânea já na sua enorme pluralidade e substância. Em relação a nós, esse tema é um dos temas mais importantes para nós. Temos muito gosto em falar sobre a tipologia de parceria, a tipologia de colaboração porque é uma lógica que está absolutamente ligada com a génese do escritório e, na verdade, com todo o seu percurso. De facto, nós começámos por ser dois elementos e, rapidamente, passámos a três. Entretanto, o escritório foi crescendo organicamente e hoje seremos à volta de 50, como mencionaste... mas mais importante do que o crescimento orgânico foi a lógica ininterrupta desse processo colaborativo e de troca.
Nós nunca quisemos fazer nada... e começou, desde o início... nós começámos por escrever um livro. Foi o nosso primeiro projecto, o nosso primeiro esforço, enquanto entidade colectiva, e indicámos, exactamente, por onde é que queríamos caminhar. E sempre foi muito concreto para nós... muito presente que o que queríamos fazer... explorando uma coisa que é aquilo que achámos mais importante que é a forma como é que nós conseguimos crescer... utilizando uma lógica de competências conjugadas e não vivermos na assunção ou na predisposição de ter uma visão muito própria, apenas muito individual, muito unilateral sobre esta prática, esta disciplina. Portanto, essa predisposição vem, desde o início, e foi sobretudo muito consubstanciada com um conjunto de processos colaborativos que tivemos basicamente ininterruptos, ao longo de 12 anos.
Nós dizemos que tivemos uma formação que achámos que foi sólida na Escola do Porto, em diferentes universidades, e que depois foi maturada em escritórios internacionais, mas sobretudo a verdadeira formação que fizemos – e quando digo verdadeira é no sentido de nós conseguirmos, de facto, saber distinguir aquilo que é essencial do acessório nesta disciplina – fizemo-la a trabalhar no nosso escritório... e porque decidimos, desde o início, que em vez de nos fecharmos na nossa bolha quase autoinduzida, de premissas e vontades... às vezes de um certo folclore que, muitas vezes, se vê de tentar-se afirmar por coisas que, para nós, são um bocadinho laterais... mas nós nunca quisemos ser diferentes, nós quisemos ser bons. Isto é, bons no que fazemos e começando, lentamente, nas coisas que tínhamos disponíveis.
Percebemos, desde o início, que aquilo que poderíamos fazer era procurar constantemente – sobretudo numa fase inicial, em concursos – fazer parcerias com colegas nossos. E tivemos o prazer, sobretudo ainda hoje mostramo-nos sempre muito gratos, de termos tido a disponibilidade de antigos professores nossos – e nomeio alguns que, com certeza, já fizeram parte deste podcast – como o Francisco Vieira de Campos, a Cristina Guedes, o João Pedro Serôdio, o José Carvalho Araújo e mesmo com outros ateliers da nossa idade como os AND-RÉ e depois também internacionais, como mencionaste, como o Kengo Kuma, o Bjarke Ingels, MVRDV e outros.
Em cada um destes processos... e nós talvez sejamos... sempre fomos falando com outros titulares de escritórios como o nosso, mais ou menos da nossa idade. Vamos, de facto, percebendo isso... fomos, de longe, talvez o atelier – não me custa dizer – que tenha feito mais concursos, em dez anos... dezenas e dezenas de concursos e sempre que nós fizemos esses processos, necessariamente, colaborativos acho que fomos evoluindo, sabes? Aqui e ali. E sem pretensão. De forma despretensiosa, digo-te que fomos crescendo no sentido de melhorar até coisas muito básicas no processo de arquitectura... se calhar gráficas até... de ter a noção de sensibilidade, maturação, composição, mas depois em todas essas discussões fomos, de facto, crescendo, não é?
Quer dizer, para te dar um exemplo, quando fizemos o concurso, durante quatro meses, com o Eduardo Souto de Moura, o Francisco Vieira de Campos e com o Rui Furtado, para um concurso no Qatar, no Museu... foram quatro meses ininterruptos de conversas... dois dias... domingos inteiros, terças e quintas-feiras constantemente... e em cada uma dessas sessões nós... é, de facto, uma formação muito objectiva que fizemos e fomos melhorando e aprendendo, não é?
SN - Essa aprendizagem pela partilha, não é?
DB - Sim, porque é aquela que é a mais importante. O Eduardo, muitas vezes, citava o amigo Vittorio Gregotti que diz uma frase que eu acho lindíssima e que estamos sempre a repetir que é: «A História não nos diz como havemos de fazer, mas dá-nos conforto.» Portanto, voltar a modelos do passado, questioná-los, ver se não podem ser aplicados mesmo com programas actuais, questionar a sobreposição dessas aprendizagens, questionar novas, o discurso... aquilo que é mais importante na arquitectura é o pensamento, não é? A arquitectura é muita coisa, mas, essencialmente, é pensamento. Pensamento esse que depois se expressa de várias formas, de vários formatos, em vários momentos.
Ouça a entrevista completa aqui e reveja, também, a terceira temporada do podcast No País dos Arquitectos:
- João Maria Trindade
- António Cerejeira Fontes
- Studio MK27
- AND-RÉ
- Adriana Floret
- Pedra Líquida
- spaceworkers
- atelier extrastudio
- Sofia Couto e Sérgio Antunes
- Gonçalo Byrne
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e Melanie Alves e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.